terça-feira, 23 de julho de 2013

Fantasma: mudanças políticas e sociais na África

Em 1936, o roteirista Lee Falk e o desenhista Ray Moore criaram o personagem The Phantom: o Fantasma. Seu nome é Kit Walker e ele é o 21º de gerações de homens que combatem a ganância e a injustiça. O primeiro Fantasma foi Christopher Walker, um jovem de 20 anos que viu seu pai ser assassinado pelos temíveis piratas da Seita Singh durante um ataque ao navio no qual viajavam.

Único sobrevivente, Christopher consegue chegar às praias de Bangala, país fictício da África, é salvo pelos pigmeus Bandar e faz um juramento: “Devotarei minha vida a todas ao combate de todas as formas de pirataria, cobiça e crueldade. e meus descentes continuarão minha missão”. Geração após geração, o filho mais velho faz o mesmo juramento e recebe o uniforme.

Todos os Fantasmas usaram um uniforme com capuz e máscara, portando sempre o anel da caveira na mão direita, com o qual marca permanentemente aqueles punidos por seu julgamento. Quando deixa a selva e viaja como um homem comum, o senhor Walker usa um sobretudo, chapéu, óculos escuros e costuma fazer pagamentos com pedras preciosas guardadas na caverna onde mora.

Inicialmente, Lee Falk ambientou as aventuras do Fantasma no golfo de Bengala, uma região da Índia, então sob domínio britânico. Apesar da localização asiática, as aventuras apresentavam elementos que assemelhavam mais ao continente africano.


Falk sempre foi impreciso em relação à localização geográfica do país do Fantasma, que estaria situado em alguma região imaginária entre a África e a Ásia. Isso ajudaria a explicar algumas incoerências, como animais selvagens existentes apenas em um ou outro continente vivendo na mesma região. A partir da década de 1960, Falk decidiu alterar a localização geográfica do país do Fantasma que desde então passou a ser identificado como um país africano.

Alguns críticos acusam as primeiras aventuras do herói de reproduzirem o discurso neocolonialista. Sob esse aspecto, o argumento é de que o Fantasma (descendente de britânicos) era um branco que reinava sobre uma tribo de nativos (representados de forma caricata e submissa). Ele e seus antepassados lutaram contra piratas chineses, todavia a Grã-Bretanha foi uma das nações que mais se aproveitou da prática da pirataria no período colonial.

Após a desintegração dos domínios coloniais europeus, os recém-independentes países africanos passaram por guerras civis e sofreram com o surgimento de ditaduras e instabilidade econômica. As aventuras passaram então a focar o herói como um combatente da opressão, defensor da soberania local e de causas humanitárias.

Personagens negros passaram a ter mais destaque em suas histórias, tal como o próprio presidente de Bangala, o doutor Lamanda Luaga, ex-chefe de uma equipe médica da ONU da qual Diana Palmer (namorada do herói e com a qual viria a se casar em 1977), também fazia parte, sendo transferida posteriormente para o departamento de direitos humanos.

Outra significativa mudança ocorreu com a introdução de membros negros na Patrulha da Selva, uma organização militar fundada pelo Fantasma que possuia inicialmente só patrulheiros brancos.



Existem muitos elementos criativos e interessantes nas aventuras do Fantasma, mas alguns são ideais para reflexões em aulas de Geografia e História, pois refletem mudanças no contexto geopolítico, sobretudo de países africanos, e acompanharam as transformações sociais após os movimentos de independência das colônias européias no continente.

Essas mudanças mostram uma ruptura com a imagem de uma África colonialista, deixando de lado a representação caricata e passiva da população local, optando pela valorização dos mesmos e de seu anseios. O professor pode propor aos alunos alguns questionamentos tendo como referência as HQs do Fantasma:

  • Com mapas, localizar possíveis regiões onde são ambientadas as histórias.
  • Levantar características humanas e físicas desses locais (na África e na Ásia, por exemplo) e estabelecer uma comparação entre as mesmas.
  • Pesquisar e entender questões como: neocolonialismo, descolonização, economia e recursos naturais, conflitos étnicos, subdesenvolvimento, etc.
  • Entender o papel da ONU e outras organizações no continente africano?
  • Observar como as HQs do personagem refletem as transformações históricas ocorridas no mundo real.

Esses e outros questionamentos são ótimos para trabalhar os conceitos e a aplicabilidade dos princípios da Geografia: extensão, analogia, causalidade, conexidade e atividade.

2 comentários:

NASCENTE - APICULTURA disse...

Olá. Muito interessante o seu blog. Parabéns pela sua contribuição. Uma verdadeira aula. Eu sempre gostei das histórias em quadrinhos e, confesso que o Fantasma é ainda o meu predileto nas leituras. Sempre li com algumas ressalvas e questionamentos sem ter as respostas principalmente a questão da colonização. Fico contente porque o herói continua mas agora com esses questionamentos as leituras serão melhores. Parabéns e muito obrigado!

doggma disse...

Excelente trabalho de pesquisa e análise. Parabéns.

É paradoxal que um personagem que sempre lutou pela Justiça e pelo Bem Comum também traga um dos registros mais ricos de racismo/xenofobia históricos e do complexo do salvador branco inseridos na cultura ocidental. Além, claro, do modo como este cenário foi se alinhando conforme a época. Tudo graças à sua invejável longevidade.

Sem dúvida, um gibi e uma trajetória que merecem várias leituras...

Abraço!